Após umas boas horas
de sono e um revigorante duche estava pronta para começar a primeira etapa do Caminho
Francês: cerca de 26 km entre Astorga e a aldeia serrana de Foncebadón. A etapa
começou junto à catedral e ao palácio episcopal a uma hora já relativamente
adiantada da manhã (10h). Habitualmente começamos as etapas por volta das 6.30
de modo a aproveitar o fresco mas, desta vez, preferimos descasar um pouco
mais.
A catedral da cidade
é realmente impressionante, como sucede com quase todas as catedrais
espanholas. Os relevos do portal e a imponente fachada, ladeada por duas
enormes torres, dão um ar grandioso ao edifício. Ao lado, uma das obras-primas
de Gaudi, o palácio episcopal que, com o seu aspecto delicado, contrasta com a
presença maciça da catedral. Faltavam cerca de 260km para Santiago.
Deixamos a cidade
rumo à planície que a circunda e poucos quilómetros mais à frente, na ermida do
Ecce Homo, inauguramos a credencial do peregrino com o primeiro carimbo. Por
esta altura já estava a ficar preocupada: ainda só tínhamos percorrido cerca de
cinco quilómetros e já tinha as mãos dormentes e inchadas. Perguntava a mim
mesma se iria conseguir chegar ao fim da etapa, que tinha acabado de começar, e
tentava recordar-me se das outras vezes tal também me tinha sucedido. São as
dúvidas de qualquer peregrino a Santiago. Chegamos? Não chegamos? Felizmente
foi preocupação de pouca dura. Meti as mãos debaixo da água fresca e corrente de
uma fonte junto à capela e senti-me recompor.
Avançamos pelo trilho, mas o calor de Agosto começava a tornar-se cada vez mais abrasador e era
agravado pelo facto de caminharmos por uma pista de terra batida, plana,
desprovida de sombra e que parecia nunca mais ter fim. Em suma, uma típica
planície castelhana. No meio daquela aridez, de tempos a tempos, surgia um
pequeno “pueblo” onde abastecíamos o cantil que, rapidamente, se voltava a
esvaziar.
O almoço, quase a
meio da tarde, fez-se no Rabanal do Caminho. A pequena, mas pitoresca aldeia,
consiste, quase exclusivamente, na rua principal, ao longo da qual foram
nascendo pensões, albergues e restaurantes. Sentamo-nos numa esplanada, comemos
as sandes, bebemos um Aquarius (que
se viria a tornar num dos companheiros inseparáveis ao longo dos vários dias de
caminhada) e degustamos um gelado.
Depois do descanso
seguimos em direcção a Foncebadón, o ponto final do primeiro dia de jornada. Os
últimos quilómetros foram feitos em subida, com muito calor e pouca água o que
tornou a caminhada bastante penosa. Finalmente, deparou-se perante nós a
silhueta de Foncebadón, mas o dia ainda não tinha terminado. Não tínhamos visto
muitos peregrinos ao longo do caminho, mas parecia que meio mundo se tinha
encontrado naquele pequeno povoado no meio do nada, a quase 1500m de altitude.
Arranjar lugar para dormir foi um filme! Tudo estava cheio, o próximo albergue ficava a
cerca de 7km e já estava a escurecer.
Fomos até à capela e
pedimos encarecidamente ao hospitaleiro responsável pelo albergue paroquial que
nos deixasse dormir no alpendre do templo. A resposta foi favorável, mas como
já não havia colchões disponíveis teríamos de dormir no chão. Ainda assim,
disse-nos que teríamos direito a um banho quente e a fazer a refeição em
conjunto com outros peregrinos.
Foi nesta aldeia que
melhor se revelou o espírito intrínseco ao Caminho de Santiago. Estávamos já
instalados no alpendre da capela, com os sacos cama estendidos no chão, quando
um casal de italianos, vindos de Pavia, nos veio oferecer um dos seus colchões.
Outros peregrinos reorganizaram o seu espaço no albergue que estava “à pinha”
e, por fim, acabamos por ficar acomodados no interior do mesmo juntamente com
os demais caminhantes.
Antes do jantar, que
foi feito em conjunto, houve um encontro de peregrinos em que se partilharam
experiências relativas ao caminho. Entre eles estava outro italiano, um
verdadeiro poliglota, que traduziu nas mais variadas línguas, os testemunhos
dos diversos participantes. Quanto ao jantar, feito por quem ficou acomodado no
albergue paroquial, soube-me pela vida. Nunca um arroz de tomate com salsichas
me pareceu tão bom, uma verdadeira iguaria. No fim da refeição, novamente em
conjunto, arrumamos a cozinha improvisada para os períodos de maior enchente e
lavamos a louça.
O albergue de
Foncebadón e o seu hospitaleiro vão ficar na minha lembrança porque traduziram o
verdadeiro espírito de partilha e hospitalidade que caracterizam o Caminho de
Santiago. Acomodada no colchão cedido pelo casal italiano, coloquei os tampões
da Renfe nos ouvidos e adormeci.
Carina,
ResponderEliminarsei bem o que é esse espírito de peregrino e de quem nos acolhe. Nos últimos anos tenho feito uma peregrinação a Fátima com partida da Amadora. São cerca de 150 quilómetros onde tudo nos acontece.