quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Astorga - Foncebadón (26km)

Após umas boas horas de sono e um revigorante duche estava pronta para começar a primeira etapa do Caminho Francês: cerca de 26 km entre Astorga e a aldeia serrana de Foncebadón. A etapa começou junto à catedral e ao palácio episcopal a uma hora já relativamente adiantada da manhã (10h). Habitualmente começamos as etapas por volta das 6.30 de modo a aproveitar o fresco mas, desta vez, preferimos descasar um pouco mais.

A catedral da cidade é realmente impressionante, como sucede com quase todas as catedrais espanholas. Os relevos do portal e a imponente fachada, ladeada por duas enormes torres, dão um ar grandioso ao edifício. Ao lado, uma das obras-primas de Gaudi, o palácio episcopal que, com o seu aspecto delicado, contrasta com a presença maciça da catedral. Faltavam cerca de 260km para Santiago.



Deixamos a cidade rumo à planície que a circunda e poucos quilómetros mais à frente, na ermida do Ecce Homo, inauguramos a credencial do peregrino com o primeiro carimbo. Por esta altura já estava a ficar preocupada: ainda só tínhamos percorrido cerca de cinco quilómetros e já tinha as mãos dormentes e inchadas. Perguntava a mim mesma se iria conseguir chegar ao fim da etapa, que tinha acabado de começar, e tentava recordar-me se das outras vezes tal também me tinha sucedido. São as dúvidas de qualquer peregrino a Santiago. Chegamos? Não chegamos? Felizmente foi preocupação de pouca dura. Meti as mãos debaixo da água fresca e corrente de uma fonte junto à capela e senti-me recompor.

Avançamos pelo trilho, mas o calor de Agosto começava a tornar-se cada vez mais abrasador e era agravado pelo facto de caminharmos por uma pista de terra batida, plana, desprovida de sombra e que parecia nunca mais ter fim. Em suma, uma típica planície castelhana. No meio daquela aridez, de tempos a tempos, surgia um pequeno “pueblo” onde abastecíamos o cantil que, rapidamente, se voltava a esvaziar.



O almoço, quase a meio da tarde, fez-se no Rabanal do Caminho. A pequena, mas pitoresca aldeia, consiste, quase exclusivamente, na rua principal, ao longo da qual foram nascendo pensões, albergues e restaurantes. Sentamo-nos numa esplanada, comemos as sandes, bebemos um Aquarius (que se viria a tornar num dos companheiros inseparáveis ao longo dos vários dias de caminhada) e degustamos um gelado.

Depois do descanso seguimos em direcção a Foncebadón, o ponto final do primeiro dia de jornada. Os últimos quilómetros foram feitos em subida, com muito calor e pouca água o que tornou a caminhada bastante penosa. Finalmente, deparou-se perante nós a silhueta de Foncebadón, mas o dia ainda não tinha terminado. Não tínhamos visto muitos peregrinos ao longo do caminho, mas parecia que meio mundo se tinha encontrado naquele pequeno povoado no meio do nada, a quase 1500m de altitude. Arranjar lugar para dormir foi um filme!  Tudo estava cheio, o próximo albergue ficava a cerca de 7km e já estava a escurecer.

Fomos até à capela e pedimos encarecidamente ao hospitaleiro responsável pelo albergue paroquial que nos deixasse dormir no alpendre do templo. A resposta foi favorável, mas como já não havia colchões disponíveis teríamos de dormir no chão. Ainda assim, disse-nos que teríamos direito a um banho quente e a fazer a refeição em conjunto com outros peregrinos.

Foi nesta aldeia que melhor se revelou o espírito intrínseco ao Caminho de Santiago. Estávamos já instalados no alpendre da capela, com os sacos cama estendidos no chão, quando um casal de italianos, vindos de Pavia, nos veio oferecer um dos seus colchões. Outros peregrinos reorganizaram o seu espaço no albergue que estava “à pinha” e, por fim, acabamos por ficar acomodados no interior do mesmo juntamente com os demais caminhantes.

Antes do jantar, que foi feito em conjunto, houve um encontro de peregrinos em que se partilharam experiências relativas ao caminho. Entre eles estava outro italiano, um verdadeiro poliglota, que traduziu nas mais variadas línguas, os testemunhos dos diversos participantes. Quanto ao jantar, feito por quem ficou acomodado no albergue paroquial, soube-me pela vida. Nunca um arroz de tomate com salsichas me pareceu tão bom, uma verdadeira iguaria. No fim da refeição, novamente em conjunto, arrumamos a cozinha improvisada para os períodos de maior enchente e lavamos a louça. 

O albergue de Foncebadón e o seu hospitaleiro vão ficar na minha lembrança porque traduziram o verdadeiro espírito de partilha e hospitalidade que caracterizam o Caminho de Santiago. Acomodada no colchão cedido pelo casal italiano, coloquei os tampões da Renfe nos ouvidos e adormeci. 

1 comentário:

  1. Carina,
    sei bem o que é esse espírito de peregrino e de quem nos acolhe. Nos últimos anos tenho feito uma peregrinação a Fátima com partida da Amadora. São cerca de 150 quilómetros onde tudo nos acontece.

    ResponderEliminar