domingo, 29 de dezembro de 2013

Vilafranca del Bierzo - O Cebreiro (30km)

Depois de uma noite mal dormida demos início à “etapa rainha” do Caminho Francês. Íamos chegar ao Cebreiro, ponto mítico da rota jacobeia e porta de entrada na Galiza. Os primeiros quilómetros, percorridos às escuras, pela fresca e por um trilho paralelo à estrada nacional fizeram-se sem problemas. No entanto, a meio da etapa, a primeira e única bolha da peregrinação teve de ser picada e desinfectada.


A paisagem foi-se tornando menos seca e agreste, começaram a surgir os bosques de faias e carvalhos e inúmeros riachos e fontes que permitiram amenizar a sede e o calor. Começaram também a aparecer os primeiros cruzeiros e espigueiros: a Galiza aproximava-se. Fomos parando para ingerir o já habitual Aquarius e carimbar a credencial. Sucederam-se as aldeias e, finalmente, chegamos a Las Herrerias, ponto de partida para a temível subida ao Cebreiro. Situada num vale fértil, irrigado por um riacho, a povoação tem um ar rústico e pitoresco. Aí, durante a Idade Média, ficavam situadas as forjas que produziam as ferraduras para os animais que levavam os peregrinos até ao cimo do monte.


Saindo do povoado teve início a subida, primeiro por uma estrada de asfalto que mais parecia uma parede, depois pelo meio de um frondoso bosque que nos levou até la Faba. Estávamos exaustos, valeu-nos uma fonte de água fresca onde tomamos um belo “banho” e o carregamento de gomas que tínhamos adquirido, no dia anterior, num supermercado em Vilafranca. Recomeçamos a subida até Laguna de Castilla acompanhados pelo casal hispano-venezuelano. Pelo caminho encontramos um peregrino francês que, de burro, tinha partido da região de Paris e que, depois de chegar a Santiago, fazia, agora, o caminho de regresso a casa num sentido oposto ao nosso.



Paramos novamente em Laguna de Castilla para comer alguma coisa e descansar. A água fresca fonte da aldeia serviu de geleira improvisada e para retemperar as forças às pernas. A quase 1300m, o calor era terrível e os últimos três quilómetros foram feitos debaixo de um sol abrasador, por um caminho sem sombra que serpenteava pela encosta acima.

Depois das tribulações da subida chegamos completamente exauridos ao Cebreiro. Encavalitada no cimo do monte, a aldeia encanta pelo pitoresco da ermida de Santa Maria a Real e das suas casas típicas cobertas de colmo. A vista desde o miradouro é espectacular e abarca o horizonte quase até Ponferrada.


O pueblo estava apinhado de gente. O burburinho era enorme, ouviam-se várias línguas e cruzavam-se centenas de caminhantes com mochilas às costas, vieiras, bastões e cabaças com os turistas ocasionais. Deparamo-nos com um peregrino italiano, com o qual mais tarde travamos conhecimento, que, muito exaltado, discutia ao telemóvel com alguém que lhe havia recomendado fazer o Caminho de Santiago. Exclamava constantemente “Ce una violenza!”. Estava revoltado por não o terem avisado da dureza da subida para o Cebreiro e afirmava que caso soubesse quão difícil era o Caminho nunca o teria começado. Mais tarde, quando nos despedimos dele em Santiago, já estava a preparar a próxima peregrinação que seria, provavelmente, o caminho do Norte. São os mistérios do caminho de Santiago! Assim que se começa… eu que o diga.


Assim que chegamos decidimos que, depois do esforço dos últimos dias, merecíamos um tratamento VIP e que não olharíamos a despesas. Dirigimo-nos a um hotel junto à capela e instalamo-nos ali. Céus, uma cama normal, com um colchão fantástico e uma casa de banho com banheira. Ecologia à parte, foi um dos melhores e mais demorados banhos de imersão dos últimos tempos. Quase foi necessária uma rebarbadora para desentranhar a poeira acumulada nos últimos dias e que os rápidos duches dos albergues não dão para limpar.


Frescos e limpinhos fomos ao santuário carimbar a credencial, assistir à missa e receber outra bênção do peregrino. Não seria por falta dela que o resto do caminho iria correr mal. Fomos a todas! Para terminar o dia em beleza jantamos, no restaurante do hotel, um belo caldo galego e uns grelhados, acompanhados por um creme orujo ou não estivéssemos já em terras galegas. Depois de tão faustoso repasto, a noite de sono só poderia ser reparadora.



Lenda do Milagre do Cebreiro: Conta a lenda que, nos fins do século XIII, um devoto camponês de Barxamaior, homem de profunda crença religiosa, decidiu dirigir-se à missa na capela da sua paróquia, o Cebreiro, apesar do mau tempo que se fazia sentir. Quando chegou à igreja, o frade que celebrava a missa pensou que o velho camponês era louco por sair de casa no meio de tamanha tempestade só para comungar o pão e o vinho e que estaria bem melhor, na sua casa, à beira da lareira. Nesse mesmo momento, quando estava a fazer a consagração da hóstia e do vinho reparou que se tinham transformado em carne e em sangue. A imagem da Virgem, que estava na lateral do altar, inclinou a cabeça e ainda hoje está nessa posição. As notícias do milagre espalharam-se rapidamente e assim nasceu uma enorme devoção ao Milagre do Cebreiro. O cálice e a patena ficaram guardados como relíquias na ermida até que os Reis Católicos as quiseram levar para Valladolid, no ano de 1486. No entanto, os cavalos que as transportavam detiveram-se a poucos quilómetros da povoação e não mais avançaram. O medo apavorou-se da comitiva real e decidiu-se soltar os animais que logo regressaram ao local de origem dos objectos. 


2 comentários:

  1. Gostei da Lenda! Quanto a peregrinações... torna-se quase um vício.
    E eu que tenho uma de 250 quilómetros pela bela ilha de S.Miguel prometida, como "Romeiro de S. José"...

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  2. Essa vale mesmo a pena. Eu já estou a preparar a do próximo ano. Estou a ver se convenço o povo a fazer o caminho do norte.

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