Depois de uma noite
mal dormida demos início à “etapa rainha” do Caminho Francês. Íamos chegar ao
Cebreiro, ponto mítico da rota jacobeia e porta de entrada na Galiza. Os
primeiros quilómetros, percorridos às escuras, pela fresca e por um trilho
paralelo à estrada nacional fizeram-se sem problemas. No entanto, a meio da
etapa, a primeira e única bolha da peregrinação teve de ser picada e
desinfectada.
A paisagem foi-se
tornando menos seca e agreste, começaram a surgir os bosques de faias e
carvalhos e inúmeros riachos e fontes que permitiram amenizar a sede e o calor.
Começaram também a aparecer os primeiros cruzeiros e espigueiros: a Galiza aproximava-se.
Fomos parando para ingerir o já habitual Aquarius
e carimbar a credencial. Sucederam-se as aldeias e, finalmente, chegamos a
Las Herrerias, ponto de partida para a temível subida ao Cebreiro. Situada num
vale fértil, irrigado por um riacho, a povoação tem um ar rústico e pitoresco.
Aí, durante a Idade Média, ficavam situadas as forjas que produziam as
ferraduras para os animais que levavam os peregrinos até ao cimo do monte.
Saindo do povoado
teve início a subida, primeiro por uma estrada de asfalto que mais parecia uma
parede, depois pelo meio de um frondoso bosque que nos levou até la Faba.
Estávamos exaustos, valeu-nos uma fonte de água fresca onde tomamos um belo
“banho” e o carregamento de gomas que tínhamos adquirido, no dia anterior, num
supermercado em Vilafranca. Recomeçamos a subida até Laguna de Castilla
acompanhados pelo casal hispano-venezuelano. Pelo caminho encontramos um
peregrino francês que, de burro, tinha partido da região de Paris e que, depois
de chegar a Santiago, fazia, agora, o caminho de regresso a casa num sentido
oposto ao nosso.
Paramos novamente em
Laguna de Castilla para comer alguma coisa e descansar. A água fresca fonte da
aldeia serviu de geleira improvisada e para retemperar as forças às pernas. A
quase 1300m, o calor era terrível e os últimos três quilómetros foram feitos
debaixo de um sol abrasador, por um caminho sem sombra que serpenteava pela
encosta acima.
Depois das
tribulações da subida chegamos completamente exauridos ao Cebreiro.
Encavalitada no cimo do monte, a aldeia encanta pelo pitoresco da ermida de
Santa Maria a Real e das suas casas típicas cobertas de colmo. A vista desde o
miradouro é espectacular e abarca o horizonte quase até Ponferrada.
O pueblo estava apinhado de gente. O
burburinho era enorme, ouviam-se várias línguas e cruzavam-se centenas de
caminhantes com mochilas às costas, vieiras, bastões e cabaças com os turistas
ocasionais. Deparamo-nos com um peregrino italiano, com o qual mais tarde
travamos conhecimento, que, muito exaltado, discutia ao telemóvel com alguém
que lhe havia recomendado fazer o Caminho de Santiago. Exclamava constantemente
“Ce una violenza!”. Estava revoltado por não o terem avisado da dureza da
subida para o Cebreiro e afirmava que caso soubesse quão difícil era o Caminho
nunca o teria começado. Mais tarde, quando nos despedimos dele em Santiago, já
estava a preparar a próxima peregrinação que seria, provavelmente, o caminho do
Norte. São os mistérios do caminho de Santiago! Assim que se começa… eu que o
diga.
Assim que chegamos
decidimos que, depois do esforço dos últimos dias, merecíamos um tratamento VIP
e que não olharíamos a despesas. Dirigimo-nos a um hotel junto à capela e
instalamo-nos ali. Céus, uma cama normal, com um colchão fantástico e uma casa
de banho com banheira. Ecologia à parte, foi um dos melhores e mais demorados
banhos de imersão dos últimos tempos. Quase foi necessária uma rebarbadora para
desentranhar a poeira acumulada nos últimos dias e que os rápidos duches dos
albergues não dão para limpar.
Frescos e limpinhos
fomos ao santuário carimbar a credencial, assistir à missa e receber outra
bênção do peregrino. Não seria por falta dela que o resto do caminho iria
correr mal. Fomos a todas! Para terminar o dia em beleza jantamos, no
restaurante do hotel, um belo caldo galego e uns grelhados, acompanhados por um
creme orujo ou não estivéssemos já em terras galegas. Depois de tão faustoso
repasto, a noite de sono só poderia ser reparadora.
Lenda
do Milagre do Cebreiro: Conta a lenda que, nos fins do
século XIII, um devoto camponês de Barxamaior, homem de profunda crença
religiosa, decidiu dirigir-se à missa na capela da sua paróquia, o Cebreiro,
apesar do mau tempo que se fazia sentir. Quando chegou à igreja, o frade que
celebrava a missa pensou que o velho camponês era louco por sair de casa no
meio de tamanha tempestade só para comungar o pão e o vinho e que estaria bem
melhor, na sua casa, à beira da lareira. Nesse mesmo momento, quando estava a
fazer a consagração da hóstia e do vinho reparou que se tinham transformado em
carne e em sangue. A imagem da Virgem, que estava na lateral do altar, inclinou
a cabeça e ainda hoje está nessa posição. As notícias do milagre espalharam-se
rapidamente e assim nasceu uma enorme devoção ao Milagre do Cebreiro. O cálice
e a patena ficaram guardados como relíquias na ermida até que os Reis Católicos
as quiseram levar para Valladolid, no ano de 1486. No entanto, os cavalos que
as transportavam detiveram-se a poucos quilómetros da povoação e não mais
avançaram. O medo apavorou-se da comitiva real e decidiu-se soltar os animais
que logo regressaram ao local de origem dos objectos.
Gostei da Lenda! Quanto a peregrinações... torna-se quase um vício.
ResponderEliminarE eu que tenho uma de 250 quilómetros pela bela ilha de S.Miguel prometida, como "Romeiro de S. José"...
Essa vale mesmo a pena. Eu já estou a preparar a do próximo ano. Estou a ver se convenço o povo a fazer o caminho do norte.
ResponderEliminar