sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Foncebadón - Ponferrada (27km)

A segunda etapa prometia ser muito intensa. Ia passar por um dos pontos míticos do Caminho, a Cruz de Ferro, a poucos quilómetros de Foncebadón. No albergue paroquial, tal como sucedeu no dia anterior, a refeição matinal foi tomada em conjunto. Depois do pequeno-almoço, às seis da manhã, agarramos na mochila e no cajado e fizemo-nos à estrada. Iniciamos a subida, que nos ia levar a exactos 1500m, com os primeiros raios de sol. O céu estava absolutamente incrível, matizado de um laranja forte e, ao longe, viam-se as luzes da cidade de Astorga.


A Cruz de Ferro, sem ser particularmente bonita, é realmente marcante. O longo mastro de madeira, encravado num monte de pedras, está pejado de pequenos “recuerdos” e mensagens de peregrinos. Fitas, cruzes, meias, bonés, correntes de bicicleta, capacetes, terços, bandeiras…cada peregrino deixa aqui um pouco de si. Recordo particularmente a mensagem de um tal Rodrigo que, numa pequena pedra, escreveu as seguintes linhas: “Que Deus me acompanhe por toda a vida”. Tal como outros peregrinos, também deixei a minha pedra e pedi a Deus pelos que me são mais queridos. Aí conhecemos um peregrino brasileiro que, a partir desse dia, se tornou presença assídua no nosso percurso e que, por vezes, caminhou connosco. Foi a primeira vez que ouvimos alguém a falar a língua de Camões no Caminho Francês.


Da Cruz de Ferro iniciamos a descida de vários quilómetros que nos iria levar até Ponferrada. A parte da manhã fez-se a bom ritmo. Estava fresco e o trilho não era particularmente difícil, apesar de ser desarborizado. Ao passar por Manjarin encontramos um pequeno tasco apinhado de bandeiras de vários países e de tabuletas com a indicação das distâncias para diversos locais do mundo. Para nosso espanto, lá estava a indicação de 299km para a Trofa e 290km para Famalicão. Por todo o lado os portugueses deixam a sua marca!

A descida tornou-se cada vez mais pronunciada à medida que nos aproximávamos de El Acebo, uma aldeia bem catita, de onde já se avistava Ponferrada. Quem iria imaginar que estava ainda tão longe e que custaria tanto a lá chegar. Em El Acebo abancamos numa tienda para fazer o reabastecimento. Estava esganada de fome e rapidamente devorei a divinal empanada caseira, acabada de fazer, acompanhada pelo inevitável Aquarius. Escusado será dizer que, em todos os locais onde parávamos, corríamos apressadamente para a banca do carimbo. A credencial estava a ficar composta ao segundo dia de peregrinação.



Após recuperar energias percorremos as estreitas, mas muito bem arranjadas, ruas da aldeia e continuamos a descida. O calor começava a apertar e os pés a dar sinais de cansaço pois, por esta altura, o trilho era muito pedregoso e tinha um desnível enorme. Chegar a Molinaseca foi uma bênção. Sentamo-nos nas margens do rio Muruelo, junto à ponte, refrescamos o corpo nas suas águas límpidas e saboreamos a calma do local. Faltavam apenas cerca de 8km para Ponferrada, mas esses foram um verdadeiro suplício. Antes de sair de Molinaseca paramos numa farmácia para comprar protector solar factor 50 e pensos para as bolhas que ameaçavam aparecer.



O calor era insuportável, a água pouca e parecia que não avançávamos. Estes oito quilómetros pareceram mais longos que os restantes vinte da etapa. Continuamos a contornar a cidade e a parar de 500 em 500m para descansar e beber umas míseras gotinhas de água. Quase de rastos chegamos, por fim, ao Albergue San Nicolás de Flue. Depois de uma longa espera na fila para conseguir um beliche, podemos tomar banho e jantar.

O estado lastimável dos nossos pés não nos permitiu calcorrear a povoação. Entramos no primeiro pub que encontramos para comer um hambúrguer com batatas bravas e ver o jogo do Real Madrid. Depois da janta regressamos ao albergue onde assistimos a uma concorrida missa e recebemos a bênção do peregrino. Por volta das dez da noite deitei-me no beliche e, mais uma vez, dei uso aos benditos tampões de ouvidos. Mais uma santa noite de sono. A meta estava, agora, a pouco mais de 200km. 

1 comentário:

  1. Tenho um amido também muito viajado que numa tenda no deserto do Gobi na Mongólia encontrou um galo de Barcelos.
    Como vês...

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