Depois de uma noite
bem dormida, tomámos o pequeno-almoço e saímos, ainda de noite, do pequeno
povoado. Percorremos as estreitas ruas da aldeia, sem vestígios de outros
peregrinos, e demos início à descida até Hospital da Condesa. O percurso, pelo
meio dos montes, foi acompanhado por uma brisa suave e pelo despontar dos
primeiros raios de sol que proporcionaram um amanhecer absolutamente magnífico.
Por esta altura ainda
não tínhamos o itinerário da etapa completamente delineado. Seguindo as etapas
definidas pelos guias do peregrino terminaríamos o dia em Triacastela, mas era
nossa intenção, caso conseguíssemos, fazer um desvio e passar a noite no
Mosteiro de Samos. Com este pensamento em mente continuamos a caminhada
passando por várias aldeias, pontuadas por pequenas capelas e de onde emanava
um cheiro a ruralidade.
Depois de alguns
quilómetros enfrentamos duas íngremes, mas relativamente curtas, subidas: o
Alto de S. Roque e o Alto do Poio. No cimo da primeira, um grupo de peregrinos
em bicicleta dormia junto ao aconchego da estátua do santo que, na Idade Média,
foi peregrino até Compostela. Entre as duas subidas passamos pelo Hospital da
Condesa, onde se começaram a avistar muitos peregrinos. Aí encontramos uma
senhora idosa que, à porta da sua casa, distribuía saborosos crepes pelos
caminhantes.
Mais à frente estava
o Alto do Poio. Esta encosta de cabo de nós e chegamos lá acima completamente
esbaforidos. Abancamos numa tienda, estrategicamente
colocada no fim da escalada, para
tomar uma bebida fresca, acompanhados pelo brasileiro Alexandre e pela mexicana
Liliana. Depois do habitual descanso de 30m prosseguimos a jornada, a partir
daqui, sempre a descer até Triacastela.
O caminho até esta
localidade foi feito na companhia de um simpático casal galego, o Pepe e a
Isabel que, tal como nós, também não sabia onde concluir a etapa. A aproximação
a Triacastela fez-se facilmente pelo meio de bosques quase druídicos. Chegados
à vila paramos junto ao albergue municipal para comer e decidir o rumo a tomar.
Após o almoço e apesar do calor abrasador que se fazia sentir decidimos avançar
até Samos. Perto da igreja de Santiago despedimo-nos do Pepe e da Isabel, que
foram por San Xil, e seguimos até ao mosteiro.
Pelo caminho, paralelo
à estrada nacional até San Cristovo do Real, voltamos a encontrar caras
conhecidas, nomeadamente o italiano irritado do Cebreiro. Novamente sentimos a
falta de água. Devido ao calor, a reserva do cantil esgotava-se com uma rapidez
impressionante e fomos obrigados a “assaltar” a torneira de uma habitação
situada à beira do trilho.
A aldeia de San
Cristovo do Real foi uma bela surpresa. Casinhas de pedra com portadas e
varandas de madeira, um riacho, uma pontezinha adorável e uma pequena cascata à
beira da qual pastavam alguns animais. O cenário bucólico era o ideal para mais
uma paragem. Tiramos as mochilas das costas, descalçamos as botas e enfiamo-nos
nas águas geladas da ribeira. Que bem soube aquela banhoca! Foi especialmente
terapêutica para as pernas e pés, doridos, cansados e inchados pelos
quilómetros e pelo calor. A vontade de sair daquele povoado era nula, mas o dia
estava a aproximar-se do fim e ainda faltava chegar a Samos.
Percorremos, pelo
meio de denso arvoredo, mais 4km até ao destino final. Chegar a Samos é
qualquer coisa de impressionante. O mosteiro é enorme, encravado num vale
irrigado por um pequeno rio. A fachada imponente da igreja fez-nos lembrar a do
mosteiro de Salzedas, perto de Tarouca.
Dirigimo-nos
apressadamente à receção do mosteiro beneditino e fomos recebidos por um monge
idoso, com um sentido de humor muito apurado, que nos pregou um valente susto.
Quando perguntamos se ainda tinha lugar, respondeu-nos com um ar muito sério,
que àquela hora era impossível arranjar estadia para nós. Ficamos em estado de
choque. A povoação é pequena, sem grandes alojamentos, estava a escurecer e o
próximo albergue ficava em Sarria, a 13km dali. De repente, com uma sonora
gargalhada, depois de saber que éramos portugueses e de nos fazer mil e uma
questões, disse-nos que ainda havia beliches.
O albergue do
mosteiro situa-se numa dependência que anteriormente servia de armazém. O
espaço amplo, decorado com motivos relacionados com a prática agrícola, estava
cheio de gente e os lugares disponíveis já eram poucos. Voltamos a encontrar o
Alexandre que, munido de várias agulhas, furava as bolhas dos pés. Depois do
banho tomado fomos visitar o edifício acompanhados por um dos monges.
Percorremos os
espaços dos claustros, da botica e a parte do dormitório destinada a acolher
aqueles que procuram uns dias de paz, descanso e contemplação. Por fim,
visitamos a igreja monacal e a sacristia. No mosteiro, fundado cerca do século
VI, por iniciativa de S. Martinho de Dume, vivem pouco mais de vinte monges
beneditinos, em regime de clausura e semi-clausura (como é o caso do monge que
nos fez a visita guiada).
Às 19h dirigimo-nos à
igreja, que estava cheia de peregrinos e turistas, com objetivo de ouvir as
vésperas. Nunca tinha presenciado, “ao vivo e a cores”, uma celebração em canto
gregoriano. Foi uma sensação incrível ouvir aqueles monges, totalmente vestidos
de negro, a recitar, em uníssono, cânticos religiosos. Mais tarde fomos jantar
a um agradável tasco, mesmo junto ao mosteiro. Sorvemos mais uma malga de caldo
galego, que a caminhada exige repasto reforçado, acompanhado por um lombo
assado e legumes cozidos. Como sobremesa, tarte de queijo. Tudo estava
delicioso. Às 10h, como nos tinha sido indicado, fecharam-se as portas do
mosteiro. Em poucos minutos instalou-se o silêncio e adormeci na paz dos anjos.
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