domingo, 5 de janeiro de 2014

O Cebreiro - Samos (30km)

Depois de uma noite bem dormida, tomámos o pequeno-almoço e saímos, ainda de noite, do pequeno povoado. Percorremos as estreitas ruas da aldeia, sem vestígios de outros peregrinos, e demos início à descida até Hospital da Condesa. O percurso, pelo meio dos montes, foi acompanhado por uma brisa suave e pelo despontar dos primeiros raios de sol que proporcionaram um amanhecer absolutamente magnífico.



Por esta altura ainda não tínhamos o itinerário da etapa completamente delineado. Seguindo as etapas definidas pelos guias do peregrino terminaríamos o dia em Triacastela, mas era nossa intenção, caso conseguíssemos, fazer um desvio e passar a noite no Mosteiro de Samos. Com este pensamento em mente continuamos a caminhada passando por várias aldeias, pontuadas por pequenas capelas e de onde emanava um cheiro a ruralidade.

Depois de alguns quilómetros enfrentamos duas íngremes, mas relativamente curtas, subidas: o Alto de S. Roque e o Alto do Poio. No cimo da primeira, um grupo de peregrinos em bicicleta dormia junto ao aconchego da estátua do santo que, na Idade Média, foi peregrino até Compostela. Entre as duas subidas passamos pelo Hospital da Condesa, onde se começaram a avistar muitos peregrinos. Aí encontramos uma senhora idosa que, à porta da sua casa, distribuía saborosos crepes pelos caminhantes.



Mais à frente estava o Alto do Poio. Esta encosta de cabo de nós e chegamos lá acima completamente esbaforidos. Abancamos numa tienda, estrategicamente colocada no fim da escalada, para tomar uma bebida fresca, acompanhados pelo brasileiro Alexandre e pela mexicana Liliana. Depois do habitual descanso de 30m prosseguimos a jornada, a partir daqui, sempre a descer até Triacastela.

O caminho até esta localidade foi feito na companhia de um simpático casal galego, o Pepe e a Isabel que, tal como nós, também não sabia onde concluir a etapa. A aproximação a Triacastela fez-se facilmente pelo meio de bosques quase druídicos. Chegados à vila paramos junto ao albergue municipal para comer e decidir o rumo a tomar. Após o almoço e apesar do calor abrasador que se fazia sentir decidimos avançar até Samos. Perto da igreja de Santiago despedimo-nos do Pepe e da Isabel, que foram por San Xil, e seguimos até ao mosteiro.

Pelo caminho, paralelo à estrada nacional até San Cristovo do Real, voltamos a encontrar caras conhecidas, nomeadamente o italiano irritado do Cebreiro. Novamente sentimos a falta de água. Devido ao calor, a reserva do cantil esgotava-se com uma rapidez impressionante e fomos obrigados a “assaltar” a torneira de uma habitação situada à beira do trilho.

A aldeia de San Cristovo do Real foi uma bela surpresa. Casinhas de pedra com portadas e varandas de madeira, um riacho, uma pontezinha adorável e uma pequena cascata à beira da qual pastavam alguns animais. O cenário bucólico era o ideal para mais uma paragem. Tiramos as mochilas das costas, descalçamos as botas e enfiamo-nos nas águas geladas da ribeira. Que bem soube aquela banhoca! Foi especialmente terapêutica para as pernas e pés, doridos, cansados e inchados pelos quilómetros e pelo calor. A vontade de sair daquele povoado era nula, mas o dia estava a aproximar-se do fim e ainda faltava chegar a Samos.




Percorremos, pelo meio de denso arvoredo, mais 4km até ao destino final. Chegar a Samos é qualquer coisa de impressionante. O mosteiro é enorme, encravado num vale irrigado por um pequeno rio. A fachada imponente da igreja fez-nos lembrar a do mosteiro de Salzedas, perto de Tarouca.

Dirigimo-nos apressadamente à receção do mosteiro beneditino e fomos recebidos por um monge idoso, com um sentido de humor muito apurado, que nos pregou um valente susto. Quando perguntamos se ainda tinha lugar, respondeu-nos com um ar muito sério, que àquela hora era impossível arranjar estadia para nós. Ficamos em estado de choque. A povoação é pequena, sem grandes alojamentos, estava a escurecer e o próximo albergue ficava em Sarria, a 13km dali. De repente, com uma sonora gargalhada, depois de saber que éramos portugueses e de nos fazer mil e uma questões, disse-nos que ainda havia beliches.



O albergue do mosteiro situa-se numa dependência que anteriormente servia de armazém. O espaço amplo, decorado com motivos relacionados com a prática agrícola, estava cheio de gente e os lugares disponíveis já eram poucos. Voltamos a encontrar o Alexandre que, munido de várias agulhas, furava as bolhas dos pés. Depois do banho tomado fomos visitar o edifício acompanhados por um dos monges.


Percorremos os espaços dos claustros, da botica e a parte do dormitório destinada a acolher aqueles que procuram uns dias de paz, descanso e contemplação. Por fim, visitamos a igreja monacal e a sacristia. No mosteiro, fundado cerca do século VI, por iniciativa de S. Martinho de Dume, vivem pouco mais de vinte monges beneditinos, em regime de clausura e semi-clausura (como é o caso do monge que nos fez a visita guiada).


Às 19h dirigimo-nos à igreja, que estava cheia de peregrinos e turistas, com objetivo de ouvir as vésperas. Nunca tinha presenciado, “ao vivo e a cores”, uma celebração em canto gregoriano. Foi uma sensação incrível ouvir aqueles monges, totalmente vestidos de negro, a recitar, em uníssono, cânticos religiosos. Mais tarde fomos jantar a um agradável tasco, mesmo junto ao mosteiro. Sorvemos mais uma malga de caldo galego, que a caminhada exige repasto reforçado, acompanhado por um lombo assado e legumes cozidos. Como sobremesa, tarte de queijo. Tudo estava delicioso. Às 10h, como nos tinha sido indicado, fecharam-se as portas do mosteiro. Em poucos minutos instalou-se o silêncio e adormeci na paz dos anjos. 

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